Este papo de blog ainda é meio estranho pra mim, mas as vezes é importante compartilhar com as pessoas as impressões e sentimentos que tocam, então vou escrever abaixo, ainda com a memória fresca, um pouco do que rolou na minha caxola nesta minha segunda viagem ao Mali, novamente para escalar no Sahel... e novamente no verão africano!

Dizem que nossa mente tem uma propensão de só guardar memórias boas. Deve ter sido isso que me fez voltar ao Mali 10 anos após a conquista da "Solução Suicida" no Kaga-Tondo. Ou talvez tenha sido a vontade de estar no lugar mais primitivo e inóspito que eu já havia pisado. Sei lá... o que importa é que voltei pra suar 24 horas sem parar, torrar no calor de 53°C e beber água quente e salobra por 18 dias.

Escalar na África não é apenas subir uma montanha. É uma experiência única com um mundo exótico, distante do nosso quase um século, onde não há papel higiênico no aeroporto internacional, onde as pessoas não usam talheres e o banheiro é onde se quiser. Um mundo onde o importante é a água e a comida. Será que volto nos próximos 10 anos?

A idéia de ir escalar em La Main de Fatma partiu do Fernando Leal, amigo a bastante tempo que já escalou comigo algumas paredes pelo Brasil em especial no Ceará, onde faz um calor de lascar pedra.
Decidida a data, escolhemos o alvo: conquistar uma das paredes do Suri-Tondo, provavelmente a maior parede da África. Treinamos por 2 meses para que pudéssemos entrar em sintonia e tudo acontecesse de forma rápida na montanha. O Fernando convidou o Gustavo Pianca de Belo Horizonte para participar da expê, pois os dois já haviam escalados juntos em outras ocasiões. Estava formada a trinca!

Partimos então dia 04 de junho para Bamako, via Paris, para nos aprofundarmos no conhecimento da língua Bambará.
 

Primeiro dia em Bamako. Chegamos a noite e logo de cara, uma galera nos cercou oferecendo pra nos ajudar (em troca de alguns euros, é claro!). Foi difícil, mas chegamos a um Hotel onde tivemos que ficar dois dias até o visto de permanência de 1 mês ser emitido. A République du Mali é ex-colônia francesa, mas infelizmente poucas pessoas falam francês, a maioria se entende em bambará (maior etnia do país), peul ou songai.
 

Bamako é uma cidade grande e caótica... Estes aí são os táxis da capital maliene. A moeda corrente é o franco CFA (uma grana que circula nos países da África central) e um euro equivale a 650 fCFA. A viagem Bamako-Hombori (1.000km de distância) custam 13.000 f CFA.
 


Capital que não tem esgoto e apenas poucas ruas asfaltadas.
 

Na rodoviária, que é um lugar desorganizado, sujo e abarrotado de gente.... fugindo das moscas e esperando o ônibus pra Mopti (meio da caminho pra Hombori) sair.
 

Nosso buzão sendo carregado para os primeiros 400km de estrada.
 

Restaurante no meio da estrada.
 

A cada 50km, parada para pedágio e mostrar os passaportes brazucas.
 

No conforto de um ônibus sem janela, sem ar-condicionado e com uns 47°C lá fora... just relax, está começando um outro mundo! Quando eu era criança e assistia aos filmes do Tarzan tudo parecia melhor.
 

Buzão enchendo pelo caminho... o corredor já estava tomado.
 

Parada para o "lanche" e pipi (ao ar livre, é claro!).
 

Finalmente chegamos, após 27 horas de viagem.
 

Ça vá ?
 

Donez cadeux par moi ?
 

Arquitetura de Hombori. Trés jolie !
 

Molecada bacana.
 

Não esqueça os óculos. Encontramos muitas pessoas com catarata e outros tipos de cegueira provocadas pela luz forte e areia suspensa no ar. Tirar os óculos, só pra fazer foto. Take care.
 

Indo dar um look na montanha com o chofer Jean no comando da viatura.
 

Jean e Abdulah (guarda do "acampamento" de Daari).
 

La Main de Fatma. Imponente e assustadora. A idéia era dar uma volta no Suri-Tondo e tentar achar um caminho fácil e ao mesmo tempo longo para o topo do cume da direita (o maior).
 

Rolê de 12km num sol de arrebentar.
 

Fernando mandando uma rapadura cearense !
 

Aldeia abandonada do lado de
trás do Kaga-Tondo.
 

Difícil andar neste terreno... ou seria pular (de pedra em pedra)
 

Nos decidimos por abrir uma rota no Hendo-Tondo. Começa a preparação das armas pra batalha.
Partimos pra Daari pela manhã e começamos a transportar os equipos e a água (6 litros/dia/pessoa).
 

Começamos a via. O Gustavo guiou as duas primeiras enfiadas 5°sup e montou as bases em móvel.
Um Harmatan violento bate nas montanhas durante a noite e só conseguimos dormir e respirar direito depois das três da manhã.
No início do segundo dia, ele sobe para fixar as chapeletas na segunda base e após isto, decide inexplicavelmente  descer enquanto o Fernando estava jumareando e eu na primeira base. Durante a descida ele pisa em um bloco que por sorte (?) se despedaça e apenas uma parte atinge o braço e a perna do Fernando. Pulo rápido para não ser atingido e o catatau passa aum metro e meio de mim, matando mais um anjo-da-guarda. O braço do Fernando sangra bastante e temos a certeza de que ele ficará alguns dias fora de ação. Fico "p" com o ocorrido. O Gustavo sente, mas isso não basta,  ele transgrediu uma regra básica de segurança, colocando a todos em risco... e a tentativa de uma nova rota nesta magnífica parede tem fim.
O Fernando como "Capitão" da expê coloca o Gustavo na reserva pelo resto da viagem.
 

Fernando minutos antes do acidente.
 

Tô "p" da vida!

 

Voltamos pra Hombori pra nos recuperarmos do susto e decidirmos o que fazer. Rolê no mercado pra comprar uma costela de cabrito pro churras. Acabamos ficando mesmo é com a cabeça que está embaixo da mesa para colocar na sopa.
 

Mercador de sal.
 

Tuareg. Esses caras são maus.
 

 

Corra que o Harmatan vem aí...
 

..e o mundo vai ficar amarelo.
 

Com a melhora do braço do Fernando decidimos escalar uma via no Wanderdu.
 

Escolhemos "Divorce automatique", conquista francesa de 2005. Bacanassa!
 

Segunda enfiada.
 

Calor pacas!
 

Primeira ascensão brasileira...
 

.... e única no verão !!!!!
 

Olha todos nós aí !
 

Rapel negativo na volta.
 

Com o Fernando sentindo potência no braço, decidimos ficar mais uns dias e deixar pelo menos um pequeno sinal de nossa passagem. Assim conquistamos uma variante da linha espanhola  "Horácio" no Wanderdu.
 

Fernando instalando a primeira chapa da "Filhos do Sol" 6° VIIa no Wanderdu. Segunda rota brasileira na África.
 

Vidinha mais ou menos em Daari. Dormindo no telhado da casa, televisão PB alimentada por bateria, pra tentar ver algum jogo da copa. Não deu.
 

Amanhecer no deserto. Conjunto de paredes de Hombori-Tondo e Fada-Tondo, na manhã seguinte ao terceiro dos 5  Harmatans que pegamos desta vez. Em todos os desertos do mundo se formam tempestades de areia violentas, daquelas que não dá pra respirar nem abrir os olhos, acontecem relâmpagos e trovões sem chover e parece que o mundo vai acabar em areia. No Sahel, estas tempestades se chamam Harmatans. Deseje estar protegido quando um deles chegar.
 

Fernando cozinhando na cabana Peul.
 

O lagarto seco, meu companheiro de tenda.
 

Acampamento de Daari.
 

 
Boulders próximos de Daari.
levamos 220kg de equipamento s nehum crash pad. Assim, cuidado extra nas aterrisagens.

 
Boulders em La Main de Fatma. Quartzito negativo e com agarras. Alucinantes!
 

Outra conquista.
 

Bat-fenda VIIa - Wanderdu.
 

Escalando nas falésias...
 

.... próximas de Hombori.
 

Quartzito polido
 

parece vidro, de tão liso!
 

A Bosch Hammer trabalhando

 

via linda! não podíamos deixar passar sem abrir mais esta.
 

E mais uma rota brasileira:
 

"Filhos da África" 7b, Hombori.
 
 

 
Último chá em Daari...

Long way home !
 
Eliseu Frechou tel. (12) 3971.1470  |  cel. (11) 9729.4123 frechou@montanhismus.com.br  www.montanhismus.com.br


agadez tuareg